“A maior espécie e em maior risco de extinção da Floresta Amazônica não é a onça-pintada ou a harpia," diz o etnobotânico Mark Plotkin: “são as tribos isoladas e não contatadas.” Em uma palestra vigorosa e equilibrada, ele nos leva ao mundo das tribos indígenas da floresta e às incríveis plantas medicinais que os xamãs usam para a cura.
Vídeo: TED – Ideas Worth Spreading
Tradução: Viviane Ferraz Matos. Revisão: Ruy Lopes Pereira
Mark Plotkin é um dos principais etnobotânicos especializados na floresta amazônica. Nesta palestra, ele ressalta as mudanças e perigos que põem em sério risco de extinção as últimas tribos indígenas ainda não contatadas daquela região – e a sua sabedoria – e pede que protejamos esse repositório insubstituível de conhecimento.
“Ainda mais rápido do que está desaparecendo a floresta, está se extinguindo o povo da floresta”, diz Mark Plotkin ao explicar porque trabalha para a preservação tanto da floresta quanto dos seres humanos que a habitam.
Estudioso do uso tradicional das plantas nas florestas da América Central e do Sul, Mark Plotkin trabalha em estreito contato com xamãs e pagés indígenas, líderes comunitários que praticam técnicas tradicionais de cura com o uso de plantas e de animais, perpetuando um conhecimento oral que se transmite de geração em geração há incontáveis milênios.
Mas quando as florestas são destruídas (pelo desmatamento e a ocupação ilegal, por exemplo) esse conhecimento corre o risco de ser irremediavelmente perdido. Plotkin concentra seus esforços na captação, no registro e na divulgação do conhecimento xamânico. Ao fazê-lo, ele tem um duplo objetivo: preservar a floresta ao mostrar o seu imenso valor como fonte de fármacos ainda não descobertos pela ciência farmacêutica oficial.
Mark Plotkin começou suas pesquisas com os índios Trio, do sul do Suriname, Também trabalhou com alguns dos grandes pajés do México, Panamá, Venezuela, Equador, Peru, Colômbia e Brasil. É autor do best-seller Tales of a Shaman's Apprentice (relatos de um xamã-aprendiz). Com Liliana Madrigal, sua esposa, ele fundou o Amazon Conservation Team, uma ONG que ajuda os povos indígenas a comprar e proteger os seus sítios sagrados.
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Tradução integral da palestra de Mark Plotkin:
Sou um etnobotânico. Um cientista que trabalha na floresta tropical documentando como o povo utiliza plantas nativas. Faço isso há muito tempo, e quero contar a vocês: esses povos conhecem as florestas e seus tesouros medicinais melhor do que nós e melhor do que possamos vir a saber. Mas também, essas culturas, as culturas indígenas, estão desaparecendo mais rápido que as próprias florestas. E a maior espécie com maior risco de extinção da Floresta Amazônica não é a onça-pintada, não é a harpia, são as tribos isoladas e não contatadas.
Quatro anos atrás, feri o pé em uma escalada e fui à médica. Ela me receitou compressa quente, compressa fria, aspirina, analgésicos, anti-inflamatórios, injeções de corticoide. Não funcionou. Meses depois, eu estava no nordeste da Amazônia, cheguei a uma vila, e o xamã disse: “Você está mancando”. Nunca esquecerei disso enquanto viver. Ele me olhou e disse: “Tire o sapato e me dê o facão.” (Risos)Ele andou até uma palmeira, arrancou uma folha, jogou-a no fogo, aplicou-a no meu pé, colocou-a num pote de água, e me fez beber o chá. A dor desapareceu por 7 meses. Quando ela voltou, retornei ao xamã. Ele repetiu o tratamento, e estou curado há 3 anos. Por quem vocês prefeririam ser tratados? (Aplausos)
Mas, não se enganem – a medicina ocidental é o mais bem sucedido sistema de cura existente, mas há muitas falhas. Cadê a cura do câncer de mama? Cadê a cura da esquizofrenia? Cadê a cura do refluxo gastresofágico? Cadê a cura da insônia? O fato é que esses povos conseguem, às vezes, às vezes, curar coisas que não conseguimos. Aqui você vê um curandeiro no nordeste da Amazônia tratando leishmaniose, uma doença protozoária terrível que aflige 12 milhões de pessoas no mundo. O tratamento ocidental são injeções de antimônio. Elas são dolorosas, caras, e provavelmente ruins para o coração; é um metal pesado. Esse homem a cura com 3 plantas da Floresta Amazônica.
Esse é o sapo mágico. Meu grande colega, já falecido, Loren McIntyre, que descobriu a nascente do rio Amazonas, a Laguna McIntyre nos Andes peruanos, se perdeu na fronteira Peru-Brasil 30 anos atrás. Foi resgatado por um grupo de índios isolados chamados Matsés. Gesticularam para ele segui-los pela floresta, e ele o fez. Lá, pegaram cestas de folha de palmeira. Lá, eles pegaram esses sapos kambô-grandes sugadores, desse tamanho e começaram a lambê-los. Acontece que eles são altamente alucinógenos. McIntyre escreveu sobre isso e o editor da revista “High Times” leu. Os etnobotânicos têm amigos nas mais estranhas culturas. Esse cara decidiu ir até a Amazônia dar uma volta, ou uma lambida, e assim o fez e escreveu: “Minha pressão arterial foi às alturas, perdi controle total das funções corporais, desmaiei na hora, acordei numa rede 6 horas depois, me senti como um deus por 2 dias.”(Risos) Um químico italiano leu isso e disse: “Não estou interessado nos aspectos teológicos do sapo. Que história é essa de alterar a pressão arterial?” Esse químico italiano que trabalha num novo tratamento para hipertensão baseado em peptídeos da pele do sapo kambô, e outros cientistas buscam a cura para a bactéria resistente MRSA. Que ironia se esses índios isolados e seus sapos mágicos provarem ser uma cura.
Aqui está um xamã ayahuasca no noroeste da Amazônia, no meio de uma cerimônia yagé. Fomos a Los Angeles encontrar um funcionário de uma fundação para conseguir verba para proteger a cultura deles. O cara olhou para o curandeiro, e disse: “Você não frequentou a faculdade de medicina, não é?” O xamã disse: “Não, não frequentei.” Ele disse: “E o que você sabe sobre curar doenças”? O xamã olhou para ele e disse: “Sabe, se você tem uma infecção, vai ao médico. Mas muitas aflições humanas são doenças do coração, da mente e do espírito. A medicina ocidental não chega à elas, eu as curo.” (Aplausos)
Mas nem tudo são rosas em aprender da natureza sobre novos medicamentos. Essa é uma víbora do Brasil, seu veneno foi estudado na Universidade de São Paulo. Depois foi desenvolvido em inibidores da ACE. Esse é um tratamento de ponta para hipertensão. Hipertensão causa mais de 10 por cento das mortes no planeta todos os dias. É uma indústria de 4 bilhões de dólares com base no veneno de uma cobra brasileira, e os brasileiros não ganharam um centavo. Não é uma forma aceitável de se fazer negócios.
A floresta tropical é a maior expressão de vida da Terra. Há um ditado no Suriname que eu adoro: “As florestas tropicais guardam respostas às perguntas que ainda faremos.” Mas como sabem, elas estão desaparecendo rapidamente. Aqui no Brasil, no Amazonas, no mundo. Tirei essa foto de um avião pequeno sobrevoando a fronteira leste da reserva do Xingu no estado do Mato Grosso, ao noroeste daqui. Na metade superior da foto, vocês veem onde os índios vivem. A linha no meio é a fronteira leste da reserva. Metade de cima: índios, metade de baixo: homens brancos Metade de cima: drogas milagrosas, metade de baixo: um bando de covardes. Metade de cima: sequestro de carbono na floresta onde ele pertence, metade de baixo: carbono na atmosfera onde provoca mudança climática. Na verdade, a segunda causa de lançamento de carbono na atmosfera é a destruição da floresta.
Mas falando sobre destruição, é importante ter em mente que a Amazônia é o cenário mais poderoso que há. É um lugar de beleza e maravilha. O maior tamanduá do mundo vive na floresta tropical, chega a 40 quilos. A aranha-golias-comedora-de-pássaros é a maior aranha do mundo. Também encontrada na Amazônia. A envergadura das asas da harpia é de 2 metros. E o jacaré-açú — esses monstros ultrapassam os 500 quilos. São conhecidos por comerem gente. A sucuri, a maior cobra, a capivara, o maior roedor. Um espécime aqui do Brasil pesou 100 quilos.
Vamos visitar o lugar onde essas criaturas vivem, o nordeste da Amazônia, lar da tribo Akuriyo. Povos não contatados detêm um papel místico e icônico em nossa imaginação. Esses são os povos que melhor conhecem a natureza. São os povos que realmente vivem em total harmonia com a natureza. Alguns descartariam esses povos como primitivos. “Eles não sabem fazer fogo, ou não o fizeram quando contatados.” Mas conhecem a floresta bem melhor do que nós. Os Akuriyos têm 35 palavras para mel, e outros índios os respeitam como sendo os verdadeiros mestres do reino esmeralda. Aqui vocês veem o rosto do meu amigo Pohnay. Quando eu era adolescente curtindo os Rolling Stones na minha cidade de New Orleans, Pohnay era um nômade da floresta vagando pela selva do nordeste da Amazônia em um pequeno grupo, procurando se divertir, procurando plantas medicinais, procurando uma esposa, em outros pequenos grupos nômades. Mas são pessoas como essas que conhecem coisas que não conhecemos, e eles têm muito a nos ensinar.
Contudo, se vocês entrarem na maioria das florestas da Amazônia, não há povos indígenas. Vocês encontram isso: marcas encravadas nas pedras em que os indígenas, povos não contatados, afiavam a ponta do machado. Essas culturas já dançaram, fizeram amor, cantaram para os deuses, idolatraram a floresta, tudo que sobrou foram impressões em pedra, como podem ver.
Vamos para o oeste da Amazônia, que é o epicentro dos povos isolados. Cada um desses pontos representa uma pequena tribo não contatada, e a grande revelação é que acreditamos que há 14 ou 15 grupos isolados apenas na Amazônia colombiana.
Por que esses povos estão isolados? Eles sabem que existimos, sabem que há um mundo exterior. É uma forma de resistência. Eles escolheram permanecer isolados, e penso que é um direito humano de assim permanecer. Por que essas tribos se escondem dos homens? Eis o porquê. Obviamente, um pouco disso ocorreu em 1492. Mas na virada do último século foi o comércio de borracha. A demanda por borracha natural, que veio da Amazônia causou o equivalente botânico da corrida do ouro. Borracha para pneus de bicicleta, borracha para pneus de carros, borracha para zepelins. Foi uma corrida maluca para conseguir borracha, e o homem à esquerda, Julio Arana, é um dos vilões da história. Seu pessoal, sua empresa, e outras empresas como a deles matou, massacrou, torturou, acabou com os índios como os Uitotos que vocês veem do lado direito do slide.
Ainda hoje, quando as pessoas saem da floresta a história raramente tem um final feliz. Esses são os Nukaks. Eles foram contatados nos anos 80. Em um ano, todos acima de 40 foram mortos. E lembrem-se, essas são sociedades incultas. Os idosos são as bibliotecas. Sempre que um xamã morre, é como se uma biblioteca se queimasse. Eles foram forçados a sair de suas terras. Os traficantes de drogas tomaram conta da terra dos Nukaks, e os Nukaks vivem como mendigos em parques públicos no leste da Colômbia.
Da terra dos Nukaks, quero levá-los ao sudoeste, ao cenário mais espetacular do mundo: o Parque Nacional de Chiribiquete. Ele era rodeado por 3 tribos isoladas e graças ao governo e colegas colombianos ele foi expandido. É maior do que o estado de Maryland. É um grande tesouro de diversidade botânica. Começou a ser explorado botanicamente em 1943 por meu mentor, Richard Schultes, visto aqui no topo da montanha La Campana, a montanha sagrada dos Karijonas, E mostrarei como está agora. Sobrevoando Chiribiquete, vejam que essas montanhas continuam perdidas do mundo. Nenhum cientista esteve lá. Ninguém esteve na montanha La Campana desde Schutes em 1943. E nós terminaremos aqui com a montanha La Campana apenas ao leste da foto. Vou mostrar como está hoje.
Não apenas é um grande tesouro de diversidade botânica, não apenas é lar de 3 tribos isoladas, mas é o maior tesouro de arte pré-colombiana do mundo: mais de 200 mil pinturas. O cientista holandês Thomas van der Hammen descreveu-a como a Capela Sistina da Floresta Amazônica.
Mas indo de Chiribiquete para o sudeste, novamente, na Amazônia colombiana. A Amazônia colombiana é maior do que a Nova Inglaterra. A Amazônia é uma grande floresta, e o Brasil tem grande parte dela, mas não toda ela. Nesses 2 parques nacionais, Cahuinari e Puré na Amazônia colombiana, essa é a fronteira brasileira à direita, lar de muitos grupos de povos isolados e não contatados. O olhar treinado consegue ver os telhados dessas malocas, e ver que há diversidade cultural. São de fato, tribos diferentes. Isoladas, como são essas áreas, mostrarei como o mundo exterior está se aproximando. Vemos o aumento do comércio e transporte em Putumayo. Com o enfraquecimento da guerra civil na Colômbia, o mundo exterior está aparecendo. Ao norte, temos extração ilegal de ouro, também do leste, do Brasil. Há aumento da caça e pesca com fins comerciais. Vemos derrubada ilegal de madeira vinda do sul, e traficantes de drogas tentando se mover pelo parque e entrar no Brasil. Isso, no passado, era o motivo de não se mexer com os índios isolados. E se parece que a foto está desfocada é porque foi tirada às pressas, é por isso (Risos) Parece – (Aplausos) Parece um hangar da Amazônia brasileira. Essa é uma exposição de arte em Havana, Cuba. Um grupo chamado Los Carpinteros. É a percepção deles do porquê não mexer com os índios não contatados.
Mas o mundo está mudando. Esses são os Mashco-Piros na fronteira Brasil-Peru que fugiram da selva porque foram perseguidos por traficantes de droga e madeireiros. E no Peru, há um negócio terrível. Chama-se safári humano. Levam turistas para tirar fotos dos grupos isolados. Claro, quando você lhes dá roupas, ferramentas, você também lhes dá doenças. Chamamos isso de “safári desumano.” Esses são índios na fronteira do Peru, que foram assediados por voos de missionários. Eles querem ir lá convertê-los ao cristianismo. Sabemos o fim dessa história.
O que fazer? Introduzir tecnologia às tribos contatadas, não às tribos não contatadas, de um modo culturalmente sensato. Esse é o casamento perfeito da antiga sabedoria xamânica e a tecnologia do século 21. Já fizemos isso com mais de 30 tribos, proteção mapeada, gerenciada e crescente de mais de 70 milhões de acres de floresta tropical ancestral. (Aplausos)
Isso permite que os índios tenham controle de seu meio ambiente e destino cultural Eles também montaram guaritas para afastar os forasteiros. Esses índios treinados como guardas florestais, patrulham as fronteiras e mantêm o mundo exterior afastado. Essa é uma foto de contato real. Esses são índios Chitonahuas na fronteira Brasil-Peru. Eles saíram da selva pedindo socorro. Levaram tiros, suas malocas foram queimadas. Alguns foram massacrados. O uso de armas automáticas para chacinar povos não contatados é o abuso de direito humano mais desprezível e asqueroso em nosso planeta atualmente, e tem que acabar. (Aplausos)
Vou concluir dizendo que esse trabalho pode ser espiritualmente compensador, mas é difícil e pode ser perigoso. Dois colegas meus morreram recentemente em um acidente aéreo. Eles estavam a serviço da floresta protegendo tribos não contatadas. Então, a questão é, e concluindo, como será o futuro. Esse é o povo Uray no Brasil. O que os aguarda no futuro, e o que nos aguarda no futuro? Vamos pensar diferente. Vamos fazer um mundo melhor. Se houver mudança climática, que ela seja para melhor e não para pior. Vamos viver em um planeta cheio de vegetação exuberante, em que povos isolados possam permanecer em isolamento, possam manter esse mistério e conhecimento, se assim escolherem. Vamos viver em um mundo onde os xamãs vivam nessas florestas e curem a si mesmos e a nós com suas plantas místicas e seus sapos sagrados.
Mais uma vez, obrigado.
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